É importante afirmar que a moda é um sistema extremamente complexo em relacionamentos. As teorias relacionadas à moda como campo de pesquisa são muito relevantes, mas ainda não foram exploradas o bastante para abarcar todas as direções que a envolvem. Todas essas áreas do conhecimento possuem uma relação direta com a prática no desenvolvimento projetual, embora elas também possam influenciar os consumidores ou impactar nas decisões empresariais. Ou seja, a relação entre consumidor, designer e empresa se torna simbiótica, onde cada ator influencia e é influenciado pelo outro.
Há dois aspectos diferentes a se considerar quando se analisa um produto de vestuário com valor de moda. O primeiro aspecto – o intangível – se refere às tendências, atitudes, valores e estilo de vida do consumidor (Solomon & Rabolt, 2004). A denominação intangível é atribuída por conta da natureza dos componentes deste aspecto, ou seja, nada é material, possível de ser sentido, mas impossível de ser tocado.
As tendências são sinais de alterações do comportamento coletivo, as atitudes são reações desencadeadas por ações, os valores são os significados que mais nos importam e o estilo de vida é a combinação de tudo que você crê com a maneira que você age no cotidiano.
O segundo aspecto – o tangível – está relacionado com o corpo, sua forma e seus fatores sensoriais (Cooper, 1995). Ou seja, para se ter uma roupa, é necessário considerar o ato de vestir, os tecidos, aviamentos e suas texturas. Nesse sentido, é plenamente possível se fazer uso dos cinco sentidos humanos para caracterizar o tangível: você vê, toca, cheira, ouve e degusta. Ao se considerar a roupa, a função vestimentar está diretamente ligada à necessidade corporal.
O produto de vestuário com valor de moda é ressignificado/ Reprodução
Portanto, achamos que a melhor forma de denominar o que estamos discutindo até o momento é imaterial como moda, e tudo aquilo que a faz existir como objeto real, como produto. Ou seja, enquanto as pessoas habitualmente falam de moda, referindo-se a roupas, celulares ou restaurantes, os profissionais da área precisam ser mais precisos naquilo que estão mencionando: produto de vestuário com valor de moda, eletrônico com valor de moda, alimentação com valor de moda etc.
Somente dessa forma podemos compreender alguns posicionamentos, visto que na indústria de moda há uma tendência a minimizar a importância dos aspectos tangíveis. Talvez a explicação fique mais clara quando fazemos esta distinção do que é produto/serviço para o que é significado. Uma moda pode muito bem ser adaptada para agregar valor a sapatos, como também a cadernos. Se pensarmos na macrotendência do artesanal, podemos ter sapatos e cadernos costurados a mão. São produtos distintos, com funções também distintas que se aproximam no significado.
Em estudo recente, Kawamura (2005) classifica o produto de vestuário com valor de moda como um bem exclusivamente simbólico, sem conteúdo substancial, e distancia os produtos de moda das roupas, esses últimos considerados como objetos exclusivamente tangíveis. Mais que isso, segundo a autora, “moda não é o visual de uma roupa, mas os elementos invisíveis que estão incluídos nas roupas”.
Essa mesma interpretação pode ser feita para quase tudo a nossa volta. Há quanto tempo temos necessidade de utensílios de cozinha coloridos? Podemos afirmar que pelo menos há três décadas, a moda tem sido introduzida nas nossas casas sem que tomemos consciência disso. Não é à toa que podemos encontrar no mercado panelas estampadas, espátulas coloridas, potes e travessas em linhas coordenadas etc.
Por Maria Alice Rocha
Doutora (PhD) em Design de Moda
Fontes
COOPER, R.; PRESS, M. The Design Agenda: a guide to successful design management. Chichester: Wiley, 1995.
KAWAMURA, Y. Fashion-ology, Oxford: Berg, 2005.
SOLOMON, M. & RABOLT, N. J. Consumer Behaviour in Fashion. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2004